sábado, 6 de outubro de 2012

Quando Acordou, O Paletó Ainda Estava Lá



O cerimonialismo farisaico de nossa religiosidade protestante (evangélica) é paradoxal, confuso e em muitos aspectos incoerente. Digo isto por ser evangélico protestante, não sou desigrejado e tenho pavor e desconfiança de quem não consegue relacionar-se em comunidade e passa a atirar as pedras que lhe cabem.

Dediquei grande parte de minha juventude, ou pelo menos os anos de maior fervor energético, no cuidado com minha família e ajudando a Igreja em que me “igrejava”. Foi o calor de servir numa comunidade com erros e acertos, mas, cheia de companheirismo e amizade, surgida pelo tecer da Palavra que aprendi a pensar o Evangelho não como uma utopia platônica, um ideal de Igreja a ser alcançado, mas, de viver o pé no chão do Evangelho, com suor, lágrimas, sangue, sorrisos, abraços e muitas despedidas.
Tive muita sorte (leia-se propósito de Deus) de conhecer muita gente boa trilhando o Caminho da Graça com graça. E pude discorrer sobre filosofia e teologia com as pessoas mais improváveis neste universo protestante repleto de rótulos pedantes e academicismos sem fim. Muitos dos “teólogos” que me socorreram não tinham diplomas na parede para ostentar. Sentavam comigo, às vezes na EBD, e durante a semana vendiam cachorro quente em carrocinhas; outros eram sacoleiros, prestamistas e alguns traziam a rudeza da lida expostas nas mãos, mas transbordava ternura no coração.
Não estou fazendo uma defesa ao lugar comum, a ignorância simplista temerosa do conhecimento. Isto é um absurdo! Uma vez que o povo peca por falta de conhecimento, e o intelectual, por não considerar nem conhecer o poder de Deus.
Precisamos estudar academicamente, cientificamente, metodologicamente, com tremor e temor a Palavra de Deus para poder servir ao nosso Deus espalhando esse conhecimento em nossas comunidades. As nossas instituições, que são dedicadas a tal missão não podem ceder a tentação de transformar o conhecimento numa arma para a criação de classes especiais de modernos sacerdotes, as castas do saber.
Estou dizendo estas coisas porque não fomos capazes de repensar cerimonialismos e tradições sem significado algum para a fé cristã, mas, que nos são apresentadas como símbolos identificadores de uma fé.
Hoje pela manhã, enquanto procurava um calção deparei-me com meu velho paletó (leia-se terno completo). Faz tempo que ele está lá. Deve está perto de completar dois anos que não o uso. É bonito, deixa o homem elegante e com pinta de ser alguma coisa, principalmente quando se está diante de uma comunidade pobre e humilde.
Aborreci-me dessa indumentária tão típica em nosso meio e tão inútil ao coração da fé. Lembro-me a primeira vez que cheguei à Igreja com tal indumentária, e o espanto apreciativo de todos. Recebi muitos elogios e quase acreditei que aquele composto de tecidos sobrepostos me fizesse ser algo superior. É um grande perigo que se corre com essas tradições que caduca a fé.
Tenho feito o possível para não usá-lo. Não como uma birra infantil, mas por não me sentir confortável e ser totalmente dispensável para nossa vivência real de Cristo em nós. Ainda mais nesse calorão que faz em nossa terra.
Pago o preço desta minha escolha. Tudo na vida tem uma conseqüência. Noto em muitos irmãos uma desconfiança felina além do olhar frustrante de saber que o pregador vai ocupar o púlpito de mangas curtas. No trajeto que faço a pé até a Igreja aos domingos, percebo o desprezo de alguns ao encontrar e saudar um presbítero tão deselegante. Isso porque não citei os que com uma superlativa superioridade do alto de suas vestes, fitam-me de cima abaixo como se eu fosse uma afronta aos “padrões” da fé.
Fazer o que?
Dia deste sobrou até para o Tony (Arte de Chocar). Vieram denunciá-lo a mim, pois ele estava no Culto, louvando de boné, e isso era um absurdo.
Ah! Teve quem viesse “entregar” alguns jovens que estavam participando da EBD de bermudão...
Ora, tem coisa mais gostosa que chinelo de dedo, um velho calção, camisa leve de malha e a liberdade de um Deus que se aninha em meu peito e me convida a adorar em espírito e em verdade.
Mas o contrário também é verdadeiro. Há quem aprecie e goste dos trajes por elegância e etiqueta, sem, no entanto, deixar-se levar pela vaidade ou tradições de usos e costumes. Isso é legal e faz parte da convivência comunitária, até porque tem ocasiões que somos que obrigados as sociais.
E o paletó, quando acordei, continuou lá...
Veio uma de parodiar Vinícius...

Um velho calção de banho
O dia pra adorar
O Deus que não tem tamanho
Sua graça inteira no ar.

O Cristo viver seguindo
E sentir o alívio no corpo
Sorver do Mestre o ensino
Como uma água de coco.

É bom...
Passar uma tarde em Jacumã
Ao sol que arde em Jacumã
Ouvir o Senhor em Jacumã
Servir a Deus em Jacumã.

Especialmente para o Tony, Silvano, Jairo e todos os jacumistas de plantão.
N’Ele, em quem andamos, respiramos e existimos.

P.S: Para o título deste artigo peguei por empréstimo o miniconto do escritor guatemalteco Augusto Monterosso, substituindo o dinossauro, é claro               

Um comentário:

  1. Eita Jofre...é verdade! O que disseste é verdade, lamentável, e desafiador.

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