“Mas há amigo mais chegado do que um
irmão”
(Pv 18.24b)
Não sou chegado a saudades, sou homem do
dia que vislumbra o futuro com as marcas das experiências passadas, mas não sou
de saudades. Porém, sempre há aquelas lembranças que nos força a um
desprendimento com o aqui e agora e nos conduz ao caminho dos sons, cheiros,
sabores, tessituras, lágrimas, sorrisos e abraços que ficaram nas curvas da estrada – tempo.
São boas recordações que nos deixam
nostálgicos e gratos a Deus por tê-las vividas e, como o Evangelho não são
coisas, é um suceder de encontros que se irmana na alma e nem distância ou tempo
as desfazem, porque mesmo haverá um reencontrar eterno na glória onde seremos
um só abraço e nenhuma lágrima.
Tenho saudades de alguns amigos que em
Cristo Deus fez irmão.
Um deles é Chico, o velho.
Quando o conheci era do alto dos seus 81
anos um menino no Evangelho. Resgatado entre os romeiros que tradicionalmente
seguiam a peregrinação anual ao Juazeiro do Norte – CE; Deus havia lhe
preservado a vida depois de sérios tormentos em sua saúde. Foi convertido pelo
Senhor tornando-se um exemplo de paz, fidelidade e compromisso a Igreja de
Cristo.
Tive o imenso privilégio de pastoreá-lo
por uns poucos anos tendo me valido como uma grande experiência em minha
caminhada. Seus passos tímidos não o impediam de estar em todos os Cultos e
campanhas que realizávamos. Sua fala cansada e sua dificuldade com a leitura -
pois era semi-analfabeto – não o impediam de arriscar nas leituras bíblicas
durante os Estudos Doutrinários.
Meu sábio amigo Chico se esforçava
(franzindo a testa tantas vezes) para entender os nomes difíceis que na minha
ânsia de seminarista trazia para a pequena congregação: Westminster, Catecismos
Maior e Menor, Sistemática, Escatologia e, no entanto, dava-me aulas de como a
vida funcionava e que tudo em Cristo é maior e melhor que qualquer vaidade
própria, e que conhecimento sem o aconchego da amizade, sem o aperto do perdão,
sem a solidez do amor é tão inútil quanto um sino que desesperadamente retine
incomodando nossos tímpanos.
Lembro de algumas tardes de sol e vento,
aproveitando a brisa e a companhia de um e outro, ele me explicava os
segredos das plantas e do cuidar do gado, além de contar-me histórias lendárias
de antigos missionários americanos que haviam passado naquelas terras nos idos
da década de 50. Recordo com carinho a surpresa que me fez quando, certa vez,
comentei sobre o poeta Vinicius de Morais e a delícia de ser ter uma
jabuticabeira no quintal (nessa época morava numa casa com um enorme quintal, e não
no apê de agora), foi quando no dia seguinte, de botas rangedeiras, ainda sujo de
terra, mas com os olhos vívidos e alegres trazia na mão uma muda de
jabuticabeira para o meu quintal.
Eu a plantei com todo cuidado e lhe dei
tudo que era preciso, mas ela permaneceu incólume por muito tempo.
Meu velho amigo Chico, firme no que
recebeu do Senhor, era uma quebra no paradigma do Reformado intelectual, pois
mesmo sem o destacado conhecimento atribuído aos reformados, desnorteava os
ataques neo-pentencostais que lhe advinham com um olhar austero e fixo, e diante
das bizarrices e espetáculos circenses que vez por outra aparecia se saia com a sentença
de uma desconcertante frase:
“Tá
estranho! É coisa estranha! irmão”
O mundo da voltas e o caminho de nossas
vidas é feito de sinuosas curvas e não de vertiginosas retas. Hoje estou em
outros campos e quase não o vejo, mas sei que permanece em nós o que de melhor
aprendemos com o Senhor e nossas mútuas lições.
Sei, também que tua sentença de fina
ironia e perfeita perspicácia é a melhor definição para os tempos evangélicos
que vivemos:
Tá estranho! É coisa estranha! Irmãos.
N’Ele, que constrói verdadeiras amizades.
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