domingo, 29 de abril de 2012

Saudades de Chico, o Velho




“Mas há amigo mais chegado do que um irmão”
(Pv 18.24b)
Não sou chegado a saudades, sou homem do dia que vislumbra o futuro com as marcas das experiências passadas, mas não sou de saudades. Porém, sempre há aquelas lembranças que nos força a um desprendimento com o aqui e agora e nos conduz ao caminho dos sons, cheiros, sabores, tessituras, lágrimas, sorrisos e abraços que ficaram nas curvas da estrada – tempo.
São boas recordações que nos deixam nostálgicos e gratos a Deus por tê-las vividas e, como o Evangelho não são coisas, é um suceder de encontros que se irmana na alma e nem distância ou tempo as desfazem, porque mesmo haverá um reencontrar eterno na glória onde seremos um só abraço e nenhuma lágrima.
Tenho saudades de alguns amigos que em Cristo Deus fez irmão.
Um deles é Chico, o velho.
Quando o conheci era do alto dos seus 81 anos um menino no Evangelho. Resgatado entre os romeiros que tradicionalmente seguiam a peregrinação anual ao Juazeiro do Norte – CE; Deus havia lhe preservado a vida depois de sérios tormentos em sua saúde. Foi convertido pelo Senhor tornando-se um exemplo de paz, fidelidade e compromisso a Igreja de Cristo.
Tive o imenso privilégio de pastoreá-lo por uns poucos anos tendo me valido como uma grande experiência em minha caminhada. Seus passos tímidos não o impediam de estar em todos os Cultos e campanhas que realizávamos. Sua fala cansada e sua dificuldade com a leitura - pois era semi-analfabeto – não o impediam de arriscar nas leituras bíblicas durante os Estudos Doutrinários.
Meu sábio amigo Chico se esforçava (franzindo a testa tantas vezes) para entender os nomes difíceis que na minha ânsia de seminarista trazia para a pequena congregação: Westminster, Catecismos Maior e Menor, Sistemática, Escatologia e, no entanto, dava-me aulas de como a vida funcionava e que tudo em Cristo é maior e melhor que qualquer vaidade própria, e que conhecimento sem o aconchego da amizade, sem o aperto do perdão, sem a solidez do amor é tão inútil quanto um sino que desesperadamente retine incomodando nossos tímpanos.
Lembro de algumas tardes de sol e vento, aproveitando a brisa e a companhia de um e outro, ele me explicava os segredos das plantas e do cuidar do gado, além de contar-me histórias lendárias de antigos missionários americanos que haviam passado naquelas terras nos idos da década de 50. Recordo com carinho a surpresa que me fez quando, certa vez, comentei sobre o poeta Vinicius de Morais e a delícia de ser ter uma jabuticabeira no quintal (nessa época morava numa casa com um enorme quintal, e não no apê de agora), foi quando no dia seguinte, de botas rangedeiras, ainda sujo de terra, mas com os olhos vívidos e alegres trazia na mão uma muda de jabuticabeira para o meu quintal.
Eu a plantei com todo cuidado e lhe dei tudo que era preciso, mas ela permaneceu incólume por muito tempo.
Meu velho amigo Chico, firme no que recebeu do Senhor, era uma quebra no paradigma do Reformado intelectual, pois mesmo sem o destacado conhecimento atribuído aos reformados, desnorteava os ataques neo-pentencostais que lhe advinham com um olhar austero e fixo,  e diante das bizarrices e espetáculos circenses que vez por outra aparecia se saia com a sentença de uma desconcertante frase:
“Tá estranho! É coisa estranha! irmão”
O mundo da voltas e o caminho de nossas vidas é feito de sinuosas curvas e não de vertiginosas retas. Hoje estou em outros campos e quase não o vejo, mas sei que permanece em nós o que de melhor aprendemos com o Senhor e nossas mútuas lições.
Sei, também que tua sentença de fina ironia e perfeita perspicácia é a melhor definição para os tempos evangélicos que vivemos:
Tá estranho! É coisa estranha! Irmãos.

N’Ele, que constrói verdadeiras amizades. 

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